segunda-feira, 3 de março de 2008

um viva para netuno...

ontem voltei a surfar... desde novembro do ano passado não faço nada... andava bebendo muito e fumando exageradamente... engordei... na esperança de resgatar um pouco da saúde, passei a beber bastante vinho... tava na média de duas garrafas ao dia, meio maço de cigarro, entrava as noites buscando vidas perdidas que ao final eram sempre insuficientes, vazias, e eu cansado acabava largado no sofá (nunca na cama) e dormia como quem morre aos poucos...

mas ontem voltei a surfar... a exatos quinze dias tive uma gripe bastante forte, tive febre de 40 graus, por três dias seguidos... cortei imediatamente cigarro e bebidas, entrei de cabeça em vitaminas, antitérmicos e antibióticos... demorei cinco dias para me sentir em condições de sair da cama... fiquei bem mas sem forças... fui comprar pão na quarta feira da semana passada e ouvi um rapaz falar com o outro “entrou hoje um swell massa de manhã, mar liso e forte, séries demoradas mas perfeitas, cheguei a fazer cinco manobras na onda abrindo”... das outras dez vezes que ouvi conversas deste tipo, comprei uma cerveja e acendi um cigarro, que era pra tirar logo aquilo da cabeça... ainda meio sem forças, sabendo que eu sentiria algum efeito colateral com aquela decisão, acordei de manhã cedo e fui pegar onda...

a água estava quente... o mar um sonho... entrei e fiquei uma hora, mais ou menos... cai numa vala e tomei uma vaca fudida... engoli água, enjoei, tossi muito, vomitei... saí tonto... mas realizado... fui trabalhar... dormi cedo a noite, decidido a ir de novo no dia seguinte... já não estava tão despreparado, mas tive pouco equilíbrio para me manter na prancha, manobrar, o mar estava forte, não tava pra brincadeira... fiquei mais uma hora, fui trabalhar, e fiquei em casa sexta feira a noite... queria dormir cedo... dia seguinte eu entraria no mar mais cedo do que nunca...

sábado não acordei tão cedo... fui surfar 09 horas... o mas estava imenso, forte, paredões lisos de água abrindo com força, eu dropei despencando em algumas ondas, minha 6.1 parecia ter vontade própria, rasgava as ondas numa velocidade que eu mal conseguia enxergar ao redor, só me mantinha ali em cima da prancha... tomei as piores vacas desses três dias... se peguei três ondas foi muito... fiquei duas horas no mar... saí bastante queimado... fui dormir... o dia seguinte era domingo... eu queria surfar cedo ... mas era sábado a noite, queria sair, festa, balada... se eu entrasse no mar 09, 10 horas, estava tudo bem...

sábado a noite, decidi dormir cedo, foi meio sem querer, deitei as 09 vendo TV e apaguei... acordei 02 da manhã... voltei a dormir... acordei 04:30... o céu já estava lilás, anunciando o sol... levantei cinco e meia e fui pro mar... aqui começa o motivo deste relato... era 05:30 de domingo... já tinham vinte, trinta pessoas no mar... tinham ondas em todos os lados da praia, algumas grandes, outras menores e compridas, as no fundo formavam pequenos tubos... e lá nos arrecifes do barong, onde o crowd se amontoava, apareciam umas godzilla que cavavam a água numa velocidade e com uma força, que todos no mar eram indubitavelmente tragados, varridos e mastigados pela boca aberta do bicho... o mar rugia, estas ondas deviam ter seus 1,5 metros de altura, paredões formados de uns trinta metros totalmente abertos e cavados... poucos topavam dropar estas ondas... quando conseguiam era admirável... os rostos assustados com o lip acertando suas cabeças com força... foram vacas homéricas...

eu dropei uma dessas... assim que entrei no mar, ainda estava com a coragem da primeira vaca do dia... ainda sinto o susto da queda livre e a prancha completamente solta na água rasgando a onda... surfei muito... saí do mar 09:30... fiquei 4 horas seguidas... saí de cansaço e sede... cheguei em casa, comi e dormi... eu iria voltar a tarde...

foi quando soube que uma amiga minha viria a praia... fui encontrá-la, já com a prancha porque depois eu iria direto pro mar... encontrei com ela que estava com uma amiga e dois amigos... os cumprimentei e sentei, conversando sem pressa de ir ao mar, tinha acabado de almoçar... foi aí que percebi que todos bebiam, a cerveja estava gelada, o amigo delas fumava... todos sabiam que eu bebia, e me provocavam... eu não pensei um minuto sequer em dar nem um gole ou tragada... eu só mirava o mar e as ondas... ouvia as pessoas falando de suas vidas sem parar, e suas preocupações e anseios rondavam um universo tão superficial e ruidoso, uma espécie de prazer sem lastro, como se aqueles humores estivessem a deriva no meio daquele mar raivoso de vida que todos ali tentavam insistentemente entender mas passavam longe... e a cerveja não os ajudava muito a pensar... eles nem queriam...

senti falta do silêncio que o mar intensifica quando se faz parte dele... o silêncio de quem senta numa prancha e nada ouve além das ondas... ali estamos todos a deriva, mas amparados pela força de nossos braços que remam e nos carregam pela trajetória que queremos... passamos a fazer parte daquele todo imenso orgânico e vivo como mais um organismo vivo a lutar pela sobrevivência... o silêncio do mar passa a ser nosso silêncio... a força das ondas nossa força... o ritmo das águas nosso ritmo... eu, como muitos que certamente me entendem neste momento, sinto uma vontade sincera de ter a capacidade de respirar debaixo d’água... peço por ondas cada vez maiores, sempre com medo mas disposto a enfrentá-las... acreditando que cada uma delas, surfando-as ou não, me ensinam um pouco do limite e da minha capacidade de superá-las...

é incrível como este contato com o mar e as ondas pode mudar de forma radical a forma de enxergar a vida e seus ritmos... me sentia no meio daquele grupo como alguém de outro planeta, como numa realidade paralela... literalmente, um peixe fora dágua...

e eu realmente não sei quando vou acender um cigarro, ou tomar um gole de cerveja... eu apenas sei que o que estou sentindo hoje, sem a interferência de nenhuma substância externa, é uma das mais intensas e duradouras sensações de realização e prazer que já tive na vida... e que estarei todos os próximos vários e incontáveis dias no mar, nem que seja uma horinha, que é pra garantir a transformação mutante nem que seja por osmose...

3 comentários:

Felipe Barreira disse...

Bonito relato. É bom saber que está de volta à vida saudável.
Essa sua estória daria um grande roteiro para um curta. Tente.

Anônimo disse...

Cara! Não sei se esse seu intenso relato é ou não real - e isso nem importa...

O fato é que comecei a surfar agora em fevereiro, aos 29 anos! caio no mar todos os dias e, ontem mesmo, tomei vacas homéricas nesse mar de ondas fortes de março. Me pergunto o que me levou a surfar:

a princípio, a imensidão do mar sempre me fascinou, e estar ali, flutuando a esperar uma onda, com anseio, medo e vontade; o silêncio interrompido bruscamente pelo barulho surdo da onda quebrando mais a frente... parece que acentua a solidão; estimula o pensamento e faz aflorar aspectos da vida e de nós mesmos que estavam adormecidas... Estou gostando de surfar, embora ainda mal drope numa onda... imagine quando eu conseguir surfar de verdade!

Jim Morrison disse que 'nós fomos transformados de um corpo em êxtase dançando loucamente em uma montanha num par de olhos fitando a escuridão.’ Concluo apenas, de forma intuitiva e despretensiosa, que o surf nos proporciona precisamente o inverso: de um par de olhos perdidos nos transformamos num corpo em êxtase dançando e brincando na imensidão...

Anônimo disse...

Cara,
fico feliz por você está aí, de bem com a vida e com a natureza...

grande abs.