terça-feira, 25 de março de 2008

...você que completa dezoito anos, aliste-se já...

o silêncio dos cumes cobertos de neve, a imensidão branca e muda e fria, o medo da altura no alto de montes formados de flocos, de grãos, de rochas... quando ganhei a base no surf passei a acreditar que o skate poderia também ser familiar.. eu não estava errado, a única diferença é que quando o corpo cai ele quica ao invés de mergulhar (isso não é engraçado...)... ando pouco de skate hoje, já estirei um músculo do braço e fiquei três meses sem surfar... então o skate ficou em segundo plano...
lógica por lógica, a mesma que me levou a acreditar na habilidade do skate, me levou também a acreditar na habilidade do snowboard... ano passado, após uma transformação grande, em que fui demitido de dois empregos ao mesmo tempo, depois de dez anos de trabalho duro, me vi no direito de realizar o sonho de esquiar... fui para bariloche, argentina... comprometido a esquiar...

não vou falar da viagem em si, como sempre as vivo de forma pouco planejada e no curso dos ventos e das pessoas que se batem comigo... meu compromisso de esquiar era a única meta concreta... cheguei em bariloche com milena, e a acompanhei no esqui... ela se desenvolveu, eu aprendi fácil, mas nem me concentrava direito... eu invejava a velocidade e a mobilidade dos snowboarders... tinha medo de não conseguir... não agüentei... no dia seguinte aula de snowboard...

a experiência de esquiar em um snowboard exige alguns esclarecimentos...

primeiro, não se esquia com a prancha deslizando na neve por completo, como se faz com a prancha de surf... a prancha de snow é feita de material duro e flexível, o kevlar, difícil de quebrar, e nas beiradas da prancha existe uma fina camada de aço, como uma lâmina, que raspa a neve; para controlar a prancha é necessário se apoiar nas beiradas da prancha, sob as lâminas; pois todo o resto desliza muito.
a prancha sempre imprime alta velocidade, e no snow ela depende de três fatores: a inclinação da montanha, a posição do snow, e a nossa velha conhecida das aulas de física, a gravidade; quanto a posição do snow quem controla é você, se ele deslizar muito você cava a montanha com a beirada de aço e pára a prancha, é quase instantâneo e forma uma pequena avalanche de neve abaixo de você, se você errar e estiver muito inclinado para frente ou para trás nestas paradas bruscas será inevitavelmente lançado com muito força para frente ou para trás como uma bola de neve; quanto a inclinação da montanha, vale ser cuidadoso no início enquanto estamos aprendendo, porque também dá pra controlar um pouco a velocidade do snow, pouca inclinação permite o snow ir ganhando velocidade devagar e a gente ir aumentando na medida da nossa capacidade de controlar a prancha, já quando se trata de muita inclinação ai a conversa é outra...; é que não existe montanha toda bem formadinha, com uma descida uniforme, ela é feita de pequenos buracos, e quando a gente fala em inclinação, quem imprime velocidade é a gravidade, enfim, é inevitável deslizar uma montanha e em determinados momentos atingir uma velocidade que beira a queda livre; agora imagine que sem fazer esforço nenhum voce sai de um estagio zero de velocidade e atinge uma aceleração absurda com a capacidade de controlar a prancha e parar quando quer?
a prancha é grande, costuma-se medir pela distância entre os pés e o nariz do usuário; as quedas são doloridas e complicadas, pois a prancha não descola dos pés, ela é fortemente presa, por botas com garras de aço, se você cai suas pernas viram uma hélice girando e deslizando e seu corpo não pará enquanto a inclinação não cessar, ou a prancha enfiar uma das pontas na neve; as quedas podem ocorrer em dois tipos de chão, na neve em flocos, fofa como um colchão, é muito divertido, mas mesmo assim é preciso cuidado, pois a neve as vezes esconde pedaços de rocha, ou na neve de pista, aquela que os outros esquiadores passaram antes de você e alisaram, e que deixa de ser fofa e vai ganhando a consistência dura do gelo; numa estação de esqui você pode escolher as pistas ou fora de pistas (http://www.catedralaltapatagonia.com/images/mapapistas_big.jpg): nas pistas não existem rochas e arvores, mas o chão é de gelo, fora de pista a neve é fofa mas as árvores e as rochas estão em toda parte; sugestão: aprenda nas pistas e quando controlar bem o snow siga para fora das pistas;

orientação para as quedas, sempre cair com os braços dobrados metendo com força os cotovelos na neve ou no gelo; evitar cair de costas pois estas quedas costumam forçar a coluna e costelas; não deixe as pernas girarem nas quedas, procure meter com força o snow na neve para pará-lo, se você deixar girar a própria sorte e estiver em alta velocidade irá quebrar a perna inevitavelmente, este é o acidente mais comum;


no mais... comecei numa descidinha light, pegando o swing da prancha, pois a base muda, você trabalha com a parte externa dos pés e com os tornozelos e joelhos... e pra aprender é preciso ir trocando de base, o que é difícil, e prepare-se: a gente cai muito e se machuca bastante, pois o gelo das pistas é duro como o chão; e como a prancha desliza bastante, já dá pra sentir um gostinho da velocidade mesmo numa descidinha simples dessa...


me empolguei e já na tarde do mesmo dia que aprendi subi para descer pela primeira vez a montanha... você escolhe as pistas através de bandeiras de cores diferentes que indicam o grau de inclinação das mesmas... sinta só o nível da gradação... verde, azul, vermelho e preto... inicial, intermediário, avançado, experts... desci em pistas iniciais e intermediárias... no decorrer da montanha é bem comum ver pequenas manchas de sangue, que a brancura da neve deflagra... é muito legal ver filas de vinte, trinta crianças, com até dez anos, muitos de cinco, seis anos, descendo com professores em fila, muitas vezes em alta velocidade... todos estão sempre muito realizados e tranqüilos, imagine quando duas cabeças se batem na montanha descendo em velocidade? eu atropelei uma menina... atropelos são freqüentes... ser atropelado também não é legal, evite os nativos, regra geral...


e esta brincadeira com neve, montanha, o silêncio, o azul intenso do céu, o sol tão próximo e ardente, e a satisfação estampada no rosto de todos, a alegria freqüente de ver alguém emocionado pelo contato com a neve... e percebe-se que, se você está disposto a cair muito, os machucados são poucos e aprende-se razoavelmente fácil, e em pouco tempo já se tem o controle e a coragem para atingir altas velocidades... nem pensamos em machucados e cosnequencias... e depois disso tudo detonar duas garrafas de vinho tinto chileno por cinco dólares cada, comendo um bom bife de choriza com papas fritas por 5 dolares...

este ano vou para duas outras estações de esqui, na argentina que é mais barato... las leñas e penitentes... já tenho toda planilha de custos, detalhada, passo aos interessados...